Graciela Saraiva pede realistamento a justiça militar americana

Dois anos depois de apelar à Marinha dos Estados Unidos para corrigir erro de avaliação e restituir-lhe a honra, ainda não terminou o drama da brasiliense Graciela Falqueto Saraiva, de 23 anos.

Em novembro de 2010, Graciela foi expulsa da corporação sob acusação de “abuso de drogas”. Exame de rotina constatou codeína em sua urina. Tratava-se de Tylenol 3, analgésico sintético que copia a morfina, por ela usado após prescrição de um dentista de Maryland. Na época, o laboratório emitiu laudo que a inocentou de culpa.

O Conselho de Revisão da Marinha aceitou as provas, devolvendo-lhe a “honra”. Recentemente, outro Conselho da própria Marinha encarregado de corrigir os Registros Militares, composto por três membros, negou-se a reparar a injustiça, não admitindo peso aos méritos da decisão anterior tomada pelo Conselho de Revisão.

O pai de Graciela, jornalista também portador da dupla nacionalidade e ex-suplente de deputado federal pelo PMDB-RO,  Samuel Sales Saraiva, escreveu carta ao Presidente Barack Obama: “Tomei a liberdade de apresentar-lhe esses fatos, na esperança de que Vossa Excelência possa fazer triunfar a verdade, livrando uma jovem inocente dos laços da injustiça e da desgraça. Restaure seu status quo, única forma de fazer a justiça prevalecer”.

Saraiva também formalizou pedido de gestão política, por meio do Itamaraty, para que o Senador Ricardo Ferraço e e Deputado Federal Amir Lando, ex-ministro da Previdência intercedessem junto ao Governo estadunidense, invocando a histórica relação de amizade e cooperação existente entre ambos os países. Ferraço é o atual presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado.

Dupla nacionalidade

Num conflito de sentenças, cinco membros de uma junta que votaram unanimemente tiveram uma sentença não reconhecida por outra, de três membros. Saraiva queixou-se: “É um absurdo antidemocrático que agride a razão e atropela os valores de justiça e democracia que fundamentam os EUA”.

O fato de Graciela ter dupla nacionalidade nem sequer sensibilizou o governo brasileiro a interceder por ela, lamentou o pai. “Alegam que seria intromissão em assuntos internos americanos, mas quando se trata de cidadãos daqui (ele mora em Washington, D.C., há mais de duas décadas) com direitos supostamente violados em outros países, os EUA não os abandonam a própria sorte”, disse Saraiva. Ele mencionou o caso do avião da GOL derrubado pelo jato Legacy na Floresta Amazônica, em 29 de setembro de 2006, e do garoto Sean Goldman, que foi alvo de batalha judicial envolvendo o pai americano e a família da mãe, a estilista brasileira Bruna Bianchi, falecida em 2008. “Não acredito ser justo dá as costas a uma nacional portadora de um passaporte que deveria ser símbolo de nacionalidade sagrado; infelizmente, na prática tem significado apenas um documento de viagem”, lamentou. E por último propôs: “Esse conceito de cidadania e visão palaciana em relação aos brasileiros no exterior precisa ser urgentemente repensado, considerando o peso da importância das remessas bilionárias enviadas ao Brasil anualmente, dinheiro suado adquirido com riscos e muito sacrifício”.

O caso de Graciela, denunciado pela imprensa brasileira em matéria assinada pelo jornalista Claudio Dantas Sequeira, da revista ISTOÉ – http://www.istoe.com.br/reportagens/121913_SOS+PLANALTO – e Rayssa Tomaz, do Jornal de Brasilia – http://www.jornaldebrasilia.com.br/edicaodigital/pages/20110206-jornal/pdf/30.pdf – mobilizou congressistas, como a Senadora americana Barbara Mikulski , do Partido Democrata, e o Senador Acir Gurgacz, líder do PDT. “A mídia tendeu a tratá-lo como exemplo de preconceito ou discriminação contra pessoas de origem latino-americana. No entanto, até agora eu prefiro ver como erro burocrático, fácil de ser reparado”, disse Saraiva na carta ao Presidente dos EUA.

Íntegra da tradução:

Olney, Maryland, 29-08-2013

Senhor Presidente Obama,

Minha filha Graciela Falqueto Saraiva, apesar dos meritórios serviços prestados honrosamente aos Estados Unidos, foi indevidamente afastada da US Navy “com o status de desonra”, sob acusação de abuso de drogas.

Em 9 de novembro de 2011, conforme documento confidencial anexo, um Conselho de Revisão da Marinha (NCRB) a inocentou por cinco votos a zero e devolveu-lhe o status de “honra” (documento anexo). Assim, com base na Súmula nº ND 11-01316/JDM ele reconheceu que a jovem Graciela F. Saraiva sofreu injustiça.  O NDRB aceitou os documentos que provavam que ela, voluntária e conscientemente, não tomara quaisquer drogas ilegais e, portanto, não era culpada de “abuso de drogas”. Deve, portanto, ser restaurada no posto.

Contraditoriamente, outro Conselho da mesma Marinha, formado posteriormente, voltando a julgar o mesmo caso por meio de uma junta composta por três membros, deu pouco peso à decisão do Conselho que a inocentou, bem como às evidências claras advindas dos testes a que Graciela se submeteu, provando inocência. E negou-se a restituir-lhe a promoção conquistada previamente à errônea condenação, vedando-lhe o reingresso na carreira militar conforme documento datado de 2 de maio de 2013, anexo.

O “abuso de drogas” decorreu da detectação, num exame de urina rotineiro, de substâncias derivadas da conjunção de medicamentos receitados pelo dentista, após extrair dois dentes do siso. Puniram de várias formas a vida de uma inocente com histórico louvável, afetando-a severamente, sobretudo ao cercear a continuidade de sua carreira militar. Seu bom nome foi manchado e estigmatizado. Onde está o sentido de justiça de nossas instituições, Senhor Presidente?

Para correção de registros navais estabelecidos na Súmula acima mencionada anexada (nº 07132-12), de 2 de maio de 2013, o Conselho (BCNR) ofereceu a Graciela o direito de apelar da decisão, mediante a apresentação de novas provas e material, ou outra matéria não anteriormente considerada. O que mais ela poderia conceder como prova de sua inocência? Graciela provou com exames, documentos e evidências incontestáveis que não fez uso abusivo de drogas. Entre essas provas estão cópias das prescrições assinadas por seu dentista e o contrateste do exame feito pelo laboratório de triagem da própria Marinha, que a inocentou.

Ela também provou que a carta de exclusão inicial da Marinha não lhe chegou por omissão do número do apartamento pelo órgão oficial que lhe comunicava o desligamento e estabelecia prazo para apresentação de defesa. No entanto, isso não foi culpa dela. A Marinha tinha o seu endereço correto. Graciela não teve o direito de se defender no devido tempo. Naquela época, ela também estava do outro lado do país, numa base militar em Stockton, no Estado da Califórnia, fazendo um curso que, ao final, nem lhe foi remunerado, conforme era direito seu. Mas dinheiro vale menos que a justiça, e esta não faz sentido se não for completa, seguida da devida reparação.

Apresentar mais alguma evidência além do farto e claro material probatório oferecido não é algo razoável e aceitável. Os fatos são irrefutáveis à luz de quaisquer sistemas jurídicos e, também, aos olhos da Justiça militar ou comum, que devem ser suficientes. Se houver desejo em restabelecer a justiça, basta oferecerem a ela a oportunidade de submeter-se a um exame de polígrafo – prático, efetivo e tão usado por agências de segurança desta nação. Graciela aceitaria de bom grado a oportunidade de provar sua mais sincera verdade e se livraria do peso da injustiça, que tantos prejuízos gratuitos, ridículos e impiedosos já lhe causaram.

Ela só pode repetir os mesmos argumentos, nada mais, exceto para apelar ao seu senso de justiça, à sua consciência, à sua empatia com base na Regra de Ouro: “Não faça aos outros aquilo que não deseja que fosse feito com você”. Martin Luther King Jr. enfatizou que, em qualquer lugar, “A injustiça é uma ameaça à justiça em toda parte”. Nessa linha de pensamento seria adequado citar o Barão de Montesquieu, filósofo francês do século 18, que influenciou os fundadores dos EUA: “A injustiça contra um é uma ameaça para todos”.

Se a decisão unânime de um Conselho de Revisão formado por cinco membros oficiais não tem valor ou peso suficiente para reverter uma injustiça, como pode ser justificada a sua existência? Como entender que a decisão de três oficiais prevaleça sobre uma decisão anterior tomada por cinco?

Tomei a liberdade de apresentar-lhe esses fatos, na esperança de que Vossa Excelência possa fazer triunfar a verdade, livrando uma jovem inocente dos laços da injustiça e da desgraça. Restaure seu status quo, única forma de fazer a justiça prevalecer.

Respeitosamente,

Samuel Sales Saraiva

LEIA CARTA ENVIADA AO PRESIDENTE OBAMA EM PDF:  Arquivo 1     –   Arquivo 2