Num abrir e fechar de olhos, a vida se esvai como areia na diminuta ampulheta do tempo.
Fechando os olhos por um segundo, a consciência sobre o tempo se torna uma abstração, que não pode ser compreendida com realismo pela reduzida capacidade mental humana, mas nos mostra a insignificância da arrogância e da vaidade cosmética, fútil e patética.
Tudo se resume à poeira levada pelos ventos cósmicos, assim como as folhas que desaparecem sem deixar vestígios, ou memória, na eterna dinâmica do universo. Nesse permanente processo de transformação, os valores materiais tão apreciados pela humanidade não compram um segundo da vida. E no lapso do exíguo tempo existencial não logramos compreender que tudo é passageiro, e o retorno obrigatório à dimensão de onde viemos começa no primeiro suspiro.
Nossa frágil existência se resume a uma abstração na qual o poder real evidencia a impotência que nivela os mortais sem distinção. Diante do avanço inexorável do tempo, TODOS nos curvamos e desaparecemos como as nuvens.
A percepção insustentável da vaidade e as tentativas de eternização das memórias configuram ilações patéticas. As demonstrações de orgulho pessoal são uma fragilidade surreal, tola e risível, com validade restrita, que acaricia o ego dos insensatos, desprovidos de ampla consciência sobre o significado e importância da espécie. Aquilo que de fato precisamos para coexistir em paz é compreender e respeitar as diferenças — descer das nuvens das ejaculações mentais hilárias e hipotéticas e colocar os pés no chão da realidade.
De quanta terra precisamos para depositar o corpo a ser decomposto, em uma cova rasa com sete palmos? Numa demonstração de ingratidão ao privilégio da vida, deixamos para trás a contaminação do solo e dos lençóis freáticos, cuja água será consumida pelos que nos substituem no tempo.
Quando alcançaremos a consciência de que a simplicidade é uma imposição da inteligência? Já a arrogância e a prepotência são uma evidência incontestável da burrice crônica (que me perdoem os quadrúpedes pela comparação infeliz, no entanto, ilustrativa). No estágio de solidão que configura a alma humana, chegamos a essa dimensão de vida passageira e imprevisível sem vínculos sentimentais ou conhecimento de ninguém.
Somos sentenciados a partir, dando continuidade à viagem cósmica solitária. Certamente a maior gratificação nessa breve passagem está no acolhimento assegurado pela natureza e os seres descomplicados, puros e supostamente irracionais que a habitam. Paradoxalmente, nós, humanos, somos os causadores insensíveis da destruição injustificável da Terra e da vida que nela existe.
Numa comparação realista entre alguns seres humanos e as bactérias, nos surpreendemos com a constatação que, apesar de mais de 85% da população da terra manifestar adorar a um Deus, o homem, dotado de inteligência, age de forma insana muito mais destrutiva da própria espécie e do planeta que os abriga, que a agressiva bactéria chamada Staphylococcus aureus. Surpreendentemente, as bactérias são solidárias à vida delas. Esses microrganismos revelaram ter um instinto altruísta quando suas colônias estão correndo risco. Ou seja, as bactérias agem para se salvarem mutuamente, conforme indicou estudos de pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, enquanto os humanos matam semelhantes inocentes e vulneráveis de forma covarde, sem nenhum escrúpulo. Os pesquisadores observaram de perto ao montar um verdadeiro campo de batalha de micróbios. O que assistiram foi uma estratégia de jogo tão boa quanto aquelas que costumamos montar em jogos de tower defense – como o Clash Royale.

Permaneceríamos puros se não fossemos aprisionados na bolha sócio-cultural-religiosa na região do planeta onde chegamos a essa vida. Enquanto não somos doutrinados, a vida é simples e descomplicada, no entanto, ainda na tenra idade da razão, nos fazem acreditar em princípios que poucos conseguiram desenvolver. Assim, existimos em uma profunda letargia entre a realidade e a utopia, a imaginação surreal, as hipóteses absurdas, aterrorizantes ameaças de condenação a infernos hipotéticos por um Deus igualmente imaginário. Ao aceitarmos como verdades próprias as doutrinações, com um percentual muito pequeno de compreensão da realidade, começamos a nos portar como os adultos, prontos para gerar conflitos, agredindo a vida em todas as suas formas, incapazes e sem predisposição para coexistir em paz, uma vez que todos estamos aqui de passagem e nada levaremos a não ser um espírito evoluído ou vergonhosamente atrasado, egoísta, beligerante e mesquinho.
Desprovidos de méritos e racionalidade, transmitimos de geração a geração a promessa de paraísos, oferecendo atrativos improváveis de compensações materiais na vida espiritual. Presumem religiosidade pela qual matam uns aos outros, usam palavras vazias, expressam uma frágil fé, util apenas para alimentar debates futeis e histéricos defendendo a existência de um Deus todo-poderoso, bondoso, onisciente, e onipresente , existente apenas na fértil imaginação o qual dizem adorar demonstrar amor ao próprio semelhante.
Que cabeça com o mínimo de discernimento daria credibilidade à ideia de cidades celestiais com ruas de ouro e rios de leite e mel, tronos, anjos e ressurreição? Ou ainda ociosos seres alados tocando trombetas ao lado de um personagem todo-poderoso imaginário, sendo ajudado por adoradores preguiçosos e acomodados que coexistem com a harmonia que não foram capazes de praticar em vida. Enquanto tinham o privilégio de poder exercer o respeito, foram insensíveis ao postulado da fraternidade e da compaixão, isolando-se na ilusão egoísta de superioridade, de bem-estar material enquanto seus semelhantes, em aflição, escutam o clamor das próprias vísceras castigadas pela fome.
Esse é o estágio lamentável de empobrecida consciência que alcançamos, partindo de diferentes bases ideológicas, filosóficas ou religiosas, moralmente questionáveis e parciais. Os governantes promovem a excludência, em detrimento da inclusão e da justiça social, numa realidade em que a imparcialidade é uma ilusão improvável anelada por uns poucos que não se contaminaram com a insanidade generalizada, oposta à razão, à lógica e à decência.
Os exploradores e algozes aprimoram leis e mecanismos cada vez mais sofisticados para exploração eficiente. Eles mantêm o controle das massas, que são submetidas a trabalhar quase meio ano para bancar a extravagância, o desperdício e a ostentação de quadrilhas insanas, acobertadas sob o status da oficialidade. Escarnecem e zombam de multidões subservientes, cegas pela ignorância, excessivamente crédulas e ingenuamente alheias às mutretas indecentes engendradas nos bastidores do poder, por picaretas que dominam, infestam e contaminam todas as correntes de pensamento, credos religiosos, ideologias e partidos políticos.
Comentário:
Sua reflexão retrata de forma admirável a realidade da humanidade e o comportamento das elites, submetendo seres humanos a uma vida de penúria, de forma egoísta e desalmada, em benefício pessoal. Uma satisfação egoísta, doentia e inconsequente, destruindo a própria espécie e o planeta que nos acolhe generosamente. É uma triste constatação bem descrita em seu artigo. Congratulações, amigo Samuel Saraiva.
José Guedes.
Advogado, ex-prefeito de Porto Velho e ex-deputado federal constituinte.