Em uma de minhas viagens ao Pará, precisamente em 2020, fui até o Lago do Salé, local onde moraram meus bisavós, José Alípio e Maria Antonia, pais da minha avó materna, Tertuliana. Transportado ao passado pela energia saudosista do lugar, caminhei sobre a terra onde outrora existiu a pequena casa que foi construída com uma madeira cheirosa chamada itaúba, e serviu de morada para a família. Após algumas décadas de abandono, foi destruída pelo fogo das queimadas, trazido em algum verão. Naquele momento, cujo silêncio era quebrado apenas pelo gorjeio inocente dos pássaros, senti-me como se o tempo não tivesse começo ou fim, e a vida apenas tivesse transposto a dimensão e continuado ali presente. Recolhi respeitosamente um pequeno pedaço da madeira queimada e trouxe comigo o souvenir.
Ontem, 27 de abril de 2023, aqui em Washington D.C., reorganizando alguns pequenos objetos e fotos dos meus pais, Jairo e Adamar, com o cheiro sumido de outros tempos, deparei-me com aquela pequena parte de itaúba, e me veio a ideia de remover a porção queimada, bem como a vontade de encontrar uma forma de degustar o passado. Parti-a em três pequenos pedaços e fiz um chá numa pequena xícara de café. Passados mais de 100 anos, eu pude sentir o sutil aroma se desprender do que restou da árvore e daquela casinha. Tinha o sabor da Amazônia, e a sensação de uma viagem ao passado. Após o chá, ia descartar os três pedacinhos que restavam, mas hesitei, com certo dó por desfazer-me daquela singela memória, que invadia a alma com uma profunda saudade daqueles antepassados que não tive o privilégio de conhecer. Refletia sobre a importância da gratidão, quando me veio a ideia de fazer três chaveirinhos. Guardei um, e com os outros dois presentearei algum familiar que se interesse por guardar esse símbolo de um passado que reverencio cada vez mais, face a uma realidade em que os valores são outros, e ofuscam a importância da história das nossas próprias origens.