Na vida, por vezes, sentimentos de impotência, frustração e ceticismo invadem alma, e nos lamentamos ao olhar para trás e constatar que, por imaturidade, ou dificuldade em discernir naqueles primeiros passos da caminhada rumo à idade da razão, não fomos mais corajosos ou conscientes. Decidimos no ímpeto de motivações passageiras que nos levaram por caminhos difíceis, mas nem por isso temos o direito de nos autocondenar por tais decisões que hoje, de forma consciente, não tomaríamos. Elas foram imprescindíveis ao nosso processo de amadurecimento.
Não devemos ser injustos ou implacáveis ao julgar nosso próprio passado, às vezes condenando-nos a carregar um doloroso e injustificável sentimento de culpa por incapacidade de compreender os antecedentes circunstanciais e as pressões que nos influenciaram, sendo decisivos para os desdobramentos. Apesar das ilusões e desilusões, hoje, com serenidade, podemos desfrutar de uma inexorável paz interior e uma gratificante sensação de liberdade em plenitude, por havermos chegado aonde nos foi possível. O exercício da magistratura requer uma longa formação e ainda assim juízes bem preparados cometem erros, alguns irreparáveis. A imperfeição é uma das características do ser humano que não pode ser eliminada. A benevolência, o respeito e a empatia devem começar dentro de cada um.
Os percalços da jornada nos deram a maturidade que hoje nos permite compreender o poder da mente, o significado da coexistência leve, solidária e fraterna, sem a pretensão de mudar a visão de mundo de pessoas que tiveram experiências únicas e, em diferentes frentes da vida, adquiriram a própria capacidade de conceituação. Devemos respeitá-las sem a pretensão tola de fazer prevalecer sobre elas nossos conceitos, sem esperar que tenham nossa mesma visão de mundo, ou que tenham adquirido a mesma educação e desenvolvido a consciência plena de que a mente tem a incrível força de gerar bem-estar, ou simplesmente nos aprisionar num mundo de dificuldades ou frustrações. O aprendizado que nos leva à maturidade é decorrente de um processo lento através de décadas, não tolerando mudanças radicais que apenas atendam à intolerância ou à necessidade de outro em fazer prevalecer aquilo que acredita ser correto. Temos o direito de escolher se queremos ser alegres ou tristes, exteriorizar frustrações ou gratidão existencial. Porém, devemos conviver respeitando e aprendendo com as diferenças, predispostos a dissipar divergências e promover convergências. É possível usar a mente para gerar descontração, jamais estresse, que apenas comprometerá a conquista da harmonia interior e exterior de que tanto necessitamos para o equilíbrio existencial.
Nunca devemos esquecer que, junto com quase oito bilhões de pessoas, fomos lançados num mundo material e funcional preexistente, com instituições, sistemas, ideologias, religiões e uma poderosa máquina de propaganda. Não tivemos alternativa a não ser inserir-nos, ou fundir-nos nele, tornando-nos irremediavelmente escravos de culturas antigas e arcaicas que lentamente vão se modificando no tempo, de acordo com as necessidades ou conveniências dos dominadores de passagem por essa vida.
Não tivemos a opção de escapar da influência de todos os conceitos ou construções que aprendemos de acordo com os ditames da cultura e da família onde nascemos. Recebemos como legado apenas aquilo que alcançavam em termos de conhecimento e consciência, sendo um privilégio de poucos conseguir vislumbrar que a vida em sua essência nos desafia a evoluir de uma visão micro, ou sectária, para uma percepção macro do universo. Esse é o único modo de sair desse turbilhão, ou buraco negro, por vezes imundo, formado por uma densa e opaca matéria que nos aprisiona em uma camisa de informações, conceitos, crenças e percepções nas quais a verdade relativa é forjada.
Mas a vida não é apenas isso. Devemos descobrir um pouco mais, evoluir em consciência e razão, sem prejuízo da natureza humana de divagar por dimensões mitológicas ou imaginativas em busca de alcançar o inalcançável, compreender o intangível e materializar o imaterial, cuja existência se limita ao âmbito dos desejos e pensamentos pouco prováveis no mundo real.
Vivemos uma inércia cultural, assemelhada a uma letargia na qual permanecemos sujeitos a tudo, sob a égide de influência dos poucos que tomam para si o direito ilegítimo e o poder. Somos escravizados e explorados como vítimas do nosso egoísmo e das nossas ambições de consumo, carências, expectativas de perfeita felicidade, vida eterna e outros encantos de consecução possível no plano imaginativo. Sem que tenhamos consciência dessa condição, estamos sujeitos a ser destruídos a qualquer momento se ousarmos destoar do conjunto de normas, padrões e narrativas mutáveis, estabelecidas à conveniência dos que exercem o poder em benefício próprio, promovendo guerras, injustiças e miséria. Acobertados pelo manto da covardia, alheios à ética, à empatia, ao respeito e à preservação da vida no planeta, esses dominadores se esquecem de que, como todos, estão de passagem e nada haverão de levar, além de um espírito em paz ou atormentado.
Humildade e gratidão pela vida são evidências de dignidade e ascensão espiritual.
Existimos em tempos desafiadores, de aparências vazias, no cruel império das mentiras. A leitura da realidade se tornou igualmente superficial, no qual as pessoas estão predispostas a contestar, jamais refletir sobre a essência, buscando adquirir dela algum elemento que possa ajudar no aprimoramento pessoal.
A alma e os bons sentimentos partiram, deixando como legado a insanidade mental, o fanatismo de uma religiosidade falsa, hipócrita e insana, na qual milhares de seres inocentes e vulneráveis agonizam desesperados, antes de desaparecer ante a inércia das forças que acreditaram existir. Partem sem qualquer sentido, querendo resposta ao injustificável desamparo que cobre de vergonha a humanidade, que se distancia veloz do ponto no horizonte, onde habita inalcançável a consciência.