A sensibilidade de povos para o reconhecimento dos protagonistas da história em alguns países se reflete na suntuosidade de monumentos, parques, cemitérios e Memoriais imponentes para projetá-los aos séculos futuros.
Cemitério da Candelária
Citaria o cemitério de Arlington, no Estado da Virgínia, que serve de morada aos heróis das guerras americanas; o imenso parque memorial dos militares estadunidenses caídos na Primeira e Segunda Guerra Mundial; o Memorial a Abraham Lincoln e o de Thomas Jéferson na cidade de Washington D.C.
Cemitério de Arlington
Memorial a Abraham Lincoln
Memorial aThomas Jéferson
Eles são apenas alguns exemplos que me transportam aos heróis anônimos da história de Rondônia, e em particular da cidade de Porto Velho, cujo símbolo são as três caixas-d’água antigas fabricadas no Estado da Pensilvânia e transportadas por iniciativa do empresário Farquhar, visionário e empreendedor que muito investiu na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
O que me parece intrigante é as transformaram em símbolo, enquanto os restos dos heróis anônimos que a construíram jazem em abandono, atingidos por queimadas, enchentes e a força da mata que os mantêm relegados à insignificância, bem ao lado de um dos maiores empreendimentos energéticos da Amazônia: a hidrelétrica de Santo Antônio, na esquecida Candelária.
Quanta injustiça àqueles milhares de pioneiros que deixaram suas famílias nas Antilhas, no nordeste e em outras regiões do Brasil e do Mundo para assentar no Velho Guaporé os fundamentos da Rondônia de hoje
Desde aqueles idos, governadores e prefeitos nascidos em Rondônia ou paraquedistas de outras paragens enriqueceram, alguns processados ou cassados nas urnas pelo povo que enganaram com fraudes eleitorais. Visaram o imediatismo, o enriquecimento ilícito à custa do dinheiro público e desprezaram em abandono e desrespeito e os restos mortais daqueles humildes heróis da Amazônia Brasileira.
Não foram competentes nem sequer para preservar uma ferrovia importantíssima que hoje estaria impulsionando a baixo custo à economia do Estado, via transporte barato das produções agropecuária e mineral, e fomentando o turismo.
Causa tristeza constatar tanta falta de sensibilidade e de visão político-administrativa. Enquanto povos do chamado primeiro mundo preservam a memória, transformando passado em interessantes museus, nos legamos nosso patrimônio histórico ao abandono.
A construção de um memorial, mesmo simples, iluminado com a doação de parte ínfima da energia produzida na área de Santo Antônio, cujo empreendimento tem causado sérios prejuízos ambientais à região, a exemplo do alagamento de trechos da rodovia que substituiu a lendária Ferrovia do Diabo, que para mim deveria ter sido chamada Ferrovia de Deus, em homenagem aos que dedicaram parte considerável de suas vidas ou a perderam na epopeia de sua construção.
Ante a indiferença daqueles que possuem a responsabilidade de honrar nossos antepassados pioneiros, resta à sociedade tomar a iniciativa de resgatar o respeito perdido. Nada mais justo do que somar forcas para a construção de um Memorial digno aos caídos retratando aqueles tempos dourados e saudosos do glamour, da borracha e de progresso.
A Candelária deve ser transformada tornando-se a meca aos que desejam reverenciar ou homenagear os que lá estão enterrados por seu significado histórico como patrimônio moral e sentimental legítimo, do povo e do Estado de Rondônia.
O Cemitério da Candelária está situado a margem da linha férrea e a igrejinha centenária que insiste em desafiar o tempo guardando as preces daquela gente desbravadora de extraordinária fé cujo eco hoje ressoa na sensibilidade e alma daqueles que conseguem compreender o alcance da contribuição daquelas gentes. No trajeto em direção à antiga e extinta Vila de Santo Antônio, tem aos fundos o Conjunto Residencial Cujubim, situado nas proximidades do Clube dos Subtenentes e Sargentos do 5º Batalhão de Engenharia de Construção do Exército. No outro extremo fica próximo às residências do Bairro do Triângulo, também na beira da ferrovia.
Eles foram sepultados entre 1907, quando o cemitério foi aberto, anexo ao Complexo Hospitalar da Candelária, para tratar de funcionários da ferrovia, e 1912, quando ela foi inaugurada. Era reservado só para os operários estrangeiros que morriam nas obras na grande ferrovia da floresta.
Quando a construção da estrada EFMM acabou e a maioria dos estrangeiros voltou para suas terras de origem, os que morreram foram abandonados pelos compatriotas sobreviventes e esquecidos pelos beneficiários de seus feitos.
Os 1.593 sepultamentos são confirmados por estatísticas necrológicas dos médicos do Complexo Hospitalar da Candelária. Não há registro de que algum deles tenha sido exumado ou removido para lugar algum.
Move-me a convicção que um Memorial poderia ser construído a partir de mutirões com a participação da Sociedade, do Estado e do Município de Porto Velho. Se conclamado e motivado a participação seria extraordinária. Entre todos prover-se-ia alimentação, lazer e um ambiente fraterno nas etapas de limpeza da área e desenvolvimento do projeto que poderia ser escolhido através de um concurso público aberto no qual se premiaria o projeto vencedor.
Associações profissionais, entre as quais, a dos arquitetos, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, poderiam somar-se aos construtores e a cada fim de semana o povo transformaria aquela área em ponto de encontro para construir o que seria um marco histórico sob ótica arquitetônica que preserve a natureza e a incorpore como parte importante de sua concepção.
Quem se anima coordenar esta ação cívica e popular para a construção desse memorial que firmaria um marco ao resgatar a mais valiosa relíquia de nossa história: a memória dos bravos pioneiros?
Casas legislativas estadual e municipal poderiam inclusive criar uma distinção para outorga a todos os que voluntariamente participassem desse legítimo e desafiador projeto do sentimento mais nobre de justiça da nossa sociedade.
Eu me prontificaria a contribuir, indo a Porto Velho, cidade a qual sou grato por haver-me servido de berço, na extinta maternidade Darcy Vargas, para incentivar ou participar a custo zero do planejamento, articulação e execução da ideia.
Fica, pois para reflexão o desafio que deve ecoar nas consciências das pessoas de bem desse estado, os nativos e os advindos de outras paragens que os acolheu como filhos.
Há algum tempo foi procedida uma limpeza cosmética no local. Naquela ocasião a coordenadora de Educação Patrimonial e Monitoramento Arqueológico da Scientia Consultoria Científica, Carla Pequini, declarou: “Toda a equipe que trabalhou na limpeza da área ficou muito interessada na história do local, percebendo a importância desse patrimônio para a sociedade”. Trata-se de empresa parceira da Santo Antônio Energia, para a qual, a conservação do cemitério é uma forma de preservar a história da região. Acredita-se extraoficialmente que no local estejam enterrados mais de cinco mil trabalhadores que morreram durante a construção da ferrovia.
A Santo Antônio Energia tem demonstrado sensibilidade as demandas envolvendo ações sociais voltadas ao resgate e valorização da história de Rondônia. Recentemente apoiou a regularização dos documentos da cooperativa dos ex-ferroviários.
Creio que os objetivos aqui defendidos com ênfases na justa exaltação dos nossos heróis poderiam unir a população no resgate efetivo dessa parte da história, causando a vergonha e o desprezo daqueles que desperdiçaram a oportunidade de fazer algo e apenas se locupletaram criminosamente com o dinheiro público.