Nas classificações tradicionais, os animais ditos inferiores são tipificados como irracionais, enquanto os superiores — ou seja, os humanos — são considerados racionais porque possuem a capacidade de “pensar e refletir”. No entanto, frequentemente optam por serem irracionais por meio de pensamentos e ações menos úteis, ou mais ilógicas, do que alternativas que se mostrariam mais racionais. Isso os coloca, paradoxalmente, abaixo dos seres chamados irracionais. Enquanto os animais agem por instinto, sem maldade, os humanos se destacam pela negatividade intencional e pela predisposição ao conflito. Eles sistematicamente se opõem à convivência fraterna genuína ao interpretar a realidade de maneira ilógica, o que leva ao desenvolvimento de distúrbios emocionais que prejudicam os relacionamentos humanos e deixam as pessoas confusas, frustradas e insatisfeitas com suas próprias vidas.
Num piscar de olhos, a vida se esvai como areia na diminuta ampulheta do tempo. Quando fechamos os olhos por um segundo, o tempo se torna uma abstração que a mente humana limitada não consegue realmente compreender, revelando a insignificância da arrogância e da vaidade cosmética.
Tudo se reduz a pó carregado por ventos cósmicos, como folhas que desaparecem sem deixar rastro ou memória no movimento eterno do universo. Nesse processo permanente de transformação, os bens materiais tão valorizados pela humanidade não podem comprar sequer um segundo a mais de vida. No breve intervalo de nossa existência efêmera, não conseguimos compreender que tudo é temporário. Nosso retorno compulsório à dimensão de onde viemos começa com o primeiro suspiro — e, mesmo assim, agimos sem verdadeira consciência da escassez do nosso tempo.
Nossa existência frágil é apenas uma abstração, na qual o poder efêmero revela a impotência que iguala todos os mortais, curvando-nos TODOS antes de desaparecermos como nuvens.
Nossa percepção insustentável de vaidade e nossas tentativas desesperadas de eternizar a memória são ilações patéticas. Demonstrações de orgulho pessoal são uma fraqueza surreal e risível — breve e vã — que alimenta os egos de pessoas insensatas, desprovidas de consciência mais profunda sobre o significado e o valor da nossa espécie. O que realmente precisamos para viver em paz é compreender e respeitar nossas diferenças — descer das nuvens das ejaculações mentais hilárias e hipotéticas, e fincar os pés firmemente no chão da realidade.
De quanta terra realmente precisamos para sepultar um corpo em decomposição em uma cova de sete palmos de profundidade? Num ato de ingratidão diante do privilégio da vida, deixamos para trás solo e águas subterrâneas contaminadas — a mesma água que será consumida pelos que virão depois de nós.
Quando perceberemos que a simplicidade é uma exigência da inteligência? A arrogância e o egotismo, por outro lado, são evidências inegáveis de estupidez crônica. Na solidão que define a alma humana, chegamos a esta vida temporária e imprevisível sem vínculos emocionais e sem conhecer ninguém.
Estamos todos condenados a partir, continuando nossa jornada cósmica solitária. E certamente, o maior presente durante essa breve passagem é o acolhimento pela natureza e seus seres puros, simples e supostamente “irracionais”. Paradoxalmente, nós, humanos, provocamos sem pensar a destruição da Terra e da vida que nela habita.
Numa comparação realista entre alguns seres humanos e bactérias, surpreende-nos a constatação de que — apesar de mais de 85% da população mundial afirmar adorar um Deus — os humanos, dotados de inteligência, frequentemente agem com maior loucura e destrutividade contra sua própria espécie e seu planeta do que a bactéria agressiva conhecida como Staphylococcus aureus. Surpreendentemente, as bactérias demonstram solidariedade entre si. Esses microrganismos demonstraram instintos altruístas quando suas colônias estão em perigo. Em outras palavras, bactérias agem para se salvar mutuamente, conforme demonstraram estudos realizados por pesquisadores da Universidade de Oxford. Enquanto isso, os humanos matam semelhantes inocentes e vulneráveis de forma covarde e sem escrúpulos. Os pesquisadores criaram essencialmente um campo de batalha microbiano e observaram estratégias tão inteligentes quanto as que elaboramos em jogos de defesa como Clash Royale.

Permaneceríamos puros se não estivéssemos presos à bolha sociocultural e religiosa da parte do planeta onde nascemos. Antes de sermos doutrinados, a vida é simples e descomplicada. No entanto, mesmo nos estágios iniciais da razão, somos levados a acreditar em princípios que poucos conseguiram de fato desenvolver. E assim, vivemos em uma profunda letargia entre a realidade e a imaginação surreal, com princípios absurdos e ameaças aterrorizantes de condenação a infernos hipotéticos por um Deus igualmente imaginário. A aceitação da doutrinação como verdade pessoal, aliada à insuficiente compreensão da realidade, nos leva a agir como adultos: prontos para gerar conflito e atacar a vida em todas as suas formas, incapazes ou indispostos a conviver em paz. Estamos todos apenas de passagem por este mundo, e não levamos conosco nada além de um espírito evoluído — ou um espírito vergonhosamente atrasado, egoísta, agressivo e mesquinho.
Desprovidos de mérito e racionalidade, transmitimos de geração a geração a promessa de um paraíso, oferecendo recompensas materiais improváveis no plano espiritual. Presumimos uma religiosidade que leva pessoas a matarem umas às outras, usando palavras vazias e expressando uma fé frágil — útil apenas para alimentar debates rasos e histéricos em defesa de um Deus todo-poderoso, benevolente, onisciente e onipresente, que existe somente em imaginações férteis e que supostamente aprecia atos de bondade entre os seres humanos.
Que cabeça com o mínimo de discernimento poderia acreditar em cidades celestiais com ruas de ouro, rios de leite e mel, tronos, anjos e ressurreição? Ou em seres alados e ociosos tocando trombetas ao lado de uma figura toda-poderosa imaginária, assistida por adoradores preguiçosos e complacentes que coexistem numa harmonia que nunca conseguiram alcançar em vida? Quando tiveram o privilégio de agir com respeito, foram insensíveis aos princípios de fraternidade e compaixão, isolando-se em ilusões egoístas de superioridade e conforto material — enquanto outros, em aflição, ouviam o clamor das próprias entranhas atormentadas pela fome.
Esse é o estágio lamentável de consciência empobrecida a que chegamos — emergindo de bases ideológicas, filosóficas ou religiosas moralmente questionáveis e profundamente tendenciosas. Governantes promovem a exclusão, em vez da inclusão e da justiça social, numa realidade em que a imparcialidade é um sonho raro, perseguido por poucos que ainda não sucumbiram à loucura generalizada contrária à razão, à lógica e à decência.
Opressores e exploradores refinam leis e mecanismos cada vez mais sofisticados para a dominação eficiente. Mantêm o controle sobre as massas, que trabalham quase metade do ano para financiar o luxo, o desperdício e a ostentação de quadrilhas corruptas camufladas sob o manto da institucionalidade. Zombam e riem de multidões subservientes, cegas pela ignorância, crédulas demais e ingenuamente alheias às tramas indecentes tramadas nos bastidores do poder — por canalhas que infestam e corrompem todo fluxo de pensamento, crença religiosa, ideologia e partido político.
“O caminho da sabedoria, rejeitado por tolos e ignorantes, começa quando escolhemos ouvir, manter a mente aberta e continuar aprendendo — não importa o quanto achemos que já sabemos. Os homens que marcaram a história da humanidade foram tolerantes, dispostos a ouvir e prontos para compartilhar ideias.”
Comentário:
Sua reflexão retrata de forma admirável a realidade da humanidade e o comportamento das elites, que se beneficiam de forma egoísta e impiedosa ao submeter outros a vidas de sofrimento. É uma satisfação doentia, egoísta e inconsequente, destruindo nossa própria espécie e o planeta que tão generosamente nos abriga. Seu artigo descreve bem essa triste constatação. Parabéns, caro Samuel Saraiva.
— José Guedes, advogado, ex-prefeito de Porto Velho e ex-deputado federal constituinte.