Ausência de legislação rigorosa incentiva a ação criminosa dos que extrapolam e abusam do direito a Liberdade de Culto para construírem impérios financeiros com a cumplicidade de Poderes Públicos corrompidos
Domingo de manhã de um outono qualquer, surpreendo-me contemplando as nuvens que passam sobre o céu azul, levadas por um vento morno que me faz comparar a aceleração da existência humana. Essa breve abstração no tempo – nada mais do que milésimos de segundo, algo insignificante diante da eternidade – permite-me imaginar as civilizações que viveram há milênios, a respeito das quais poucas são as lembranças remanescentes, e elas incluem conflitos, desencontros, miséria, escravidão e sofrimentos. Tais histórias compõem algum imaginário registro do Universo, cujas páginas a todos cobriria de vergonha ao reler…
Ao longo das civilizações, a humanidade tem gerado e alimentado conflitos em decorrência da dificuldade de compreender que a paz requer a preservação da inocência que nos acompanha desde a concepção, ainda no ventre. O universo é harmonia, e nesse postulado incluem-se todos os sentimentos que perduram no breve decorrer da infância, ou da tenra idade da razão, quando se podem observar crianças com idiomas e culturas diferentes se divertindo prazerosamente, sem a influência nefasta do egoísmo alcançado na idade adulta. À medida que absorvem doutrinas, princípios, orientações e ações do meio em que se desenvolvem, moldam-se a eles e passam a praticar a percepção herdada de um mundo dividido por crenças e ideologias. Assim, degladiam-se em disputas medíocres, como se não houvesse espaço e recursos suficientes para que todos pudessem ter acesso a uma vida digna e prazenteira, com respeito às diferenças. Tentam impor verdades absurdas, que consideram absolutas, dispostos a defendê-las com guerras, embora não sejam capazes de usar a mesma tenacidade e fervor para compreender a essência humana e praticar obras condizentes com aquilo que dizem acreditar. Não fosse assim, poderiam garantir aqui mesmo, nesta dimensão, o exercício da fraternidade capaz de permitir a evolução em diferentes planos e contribuir para dignificar a humanidade como um todo.
Desde os primórdios multidões acreditam na teoria do criacionismo, na existência de uma força criadora a que chamam de “Deus” – ou “Alá”, entre outros substantivos. Afirmam que para Ele não existe o novo nem o velho, apenas o eterno. Entretanto, como no universo tudo está em permanente transformação, pois nada é estático, esse pensamento já é um contrassenso. Acreditam também que Deus escolheu o planeta azul para estabelecer o “Éden”, ou paraíso, mundo este que hoje se encontra em acelerado processo de degradação pela ação destrutiva das criaturas que se autodenominam “inteligentes”, as mesmas que acreditam que o Criador prepara um outro paraíso com rios de leite e mel, ruas de ouro e que, a qualquer momento, rodeado de anjos e trombetas, promoverá um grande Juízo, quando acolherá os bons e condenará os perversos. Particularmente, leite e mel não são atraentes ao meu paladar, muito menos ruas de ouro, esse vil metal estimulador da ambição humana e de tantas desgraças.
Esses indivíduos, enfim, utilizam o livre-arbítrio para devaneios em crenças patéticas que vão da ressurreição à encarnação, hipotecando fé às teorias mais absurdas, algumas, inclusive, surreais, como adoração a uma vaca ou a predição do fim dos tempos – que deveria ter ocorrido em uma determinada data no passado através de uma “chuva de estrelas” –, e por aí afora. Os devaneios e alucinações “proféticas” constituem evidência que têm a estupidez humana salientado em caráter permanente, atrelada ao absurdo e distante do alcance da chamada “idade da razão”. A cada fiasco, desmascarados pelo não cumprimento de seus vaticínios, tais profetas fragmentam-se em novos grupos para refugiarem-se em doutrinas inéditas e mirabolantes, inventadas e propagadas diante dos olhos de Estados irresponsáveis, que deixam seus cidadãos à mercê da ação nefasta de pessoas inescrupulosas, charlatães, teólogos, filósofos, mercenários e centenas de doutores. Em vez do amor e da justiça, eles apregoam o temor a Deus e o fim catastrófico e apocalíptico da humanidade, disseminando o terror doutrinário como forma de construir impérios financeiros. Para tanto, valem-se da sinceridade dos incautos e crédulos que sentem a imperiosa necessidade de hipotecar fé ao que lhes sirva para descomprimir suas aflições diárias, inspirados em falsas e absurdas promessas de salvação ou vida eterna após a morte física.
Só mesmo uma “força superior” para libertar da estupidez crônica, ou da ingênua sinceridade, os que, por alguma limitação, se deixam manipular, atropelando a capacidade de exercitar a razão. Quiçá por sentimentalismo familiar optem pela preservação do legado doutrinário que receberam como herança de seus ancestrais para embasar a sua fé. Responsável pela hipocrisia e tantas outras desgraças que dificultam o alcance da paz mundial, bem como a evolução harmônica e fraterna dos seres humanos, a fé tem causado constrangimento e tristeza ao “Salvador” que professam seguir e adorar em templos que comumente desmoronam sobre suas cabeças ao mais débil abalo sísmico.
Com indicadores t ão contundentes, parece inócuo tentar vislumbrar um futuro melhor para as massas que buscam sentido existencial perambulando nos labirintos obscuros da babilônia religiosa dos tempos atuais, campo fértil para a estupidez. Nos países socioculturalmente atrasados, o cenário é ainda mais deletério, porquanto a outorga ingênua da fé não apenas sacrifica a razão como alimenta o sadomasoquismo humano, na medida em que fomenta conflitos por causa da intolerância e do desrespeito ao outro. “Meu povo sofre por falta de conhecimento”, manifestou claramente um legendário sábio há pouco mais de dois milênios, indicando a causa das desgraças que impiedosamente castigavam seus seguidores. Nesse aspecto, nada mudou para melhor.