BRASILEIROS NO EXTERIOR : SAMUEL SARAIVA CONTESTA EMBAIXADOR GRADILONE S OBRE NECESSIDADE DE EXISTENCIA DO SGEB E CRBE
Washington, D.C., 10 de agosto de 2011.
A Sua Excelência o Senhor
Subsecretário-Geral Eduardo Gradilone
Subsecretaria-Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior (SGEB)
Esplanada dos Ministérios
Bloco H, Palácio Itamaraty
Anexo I – 2º andar, sala 204-A
70170-900 – Brasília, DF, Brasil
Assunto: Correspondência enviada ao Sr. Samuel Saraiva em 17/5/2011
Senhor Subsecretário-Geral,
1. Acuso o recebimento de sua correspondência alusiva à “Carta Aberta” que enviei à Presidente Dilma Rousseff, em 24 de abril último, sugerindo a dissolução do Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior (CRBE).
2. Com a devida vênia, não poderia deixar de tecer algumas considerações que julgo procedentes e oportunas, a começar pela dedução lógica de que minha correspondência não chegou ao conhecimento da destinatária. Tenho de apostar na sorte para que ela tenha ciência de seu conteúdo através da publicação na mídia, porque pelas vias oficiais, pode-se perceber, a blindagem a impede de conhecer as denúncias ou assuntos que contrariam alguns segmentos do governo.
3. Por uma questão de bom senso, obviamente, não ousaria acenar com a presunção de que reconsidere seu entendimento – ao contrário do sugerido por Vossa Excelência a mim – em relação ao conteúdo da Carta destinada a Exmª Presidente da República. Sua correspondência, que me pareceu eivada de parcialidade, sectária, com escrita de cunho burocrático, não serviu para esclarecer ou justificar minha mudança de percepção quanto ao CRBE, especificamente.
4. Meu entendimento baseia-se na crítica à concepção autoritária do Decreto 7.214/2010, ao melhor estilo dos governos do movimento político-militar tão combatido, à época, pelos que hoje governam e se utilizam dos mesmos mecanismos antidemocráticos do passado sombrio. Assim, qualquer plano de ação decorrente desse Conselho carecerá de legitimidade. Teria sido querente a criação não de um conselho consultivo, mas de um comitê direcionado a coordenar ações para aprovar a representação política. Desse modo, ficaria a parte legislativa para futura ação entre os verdadeiros representantes, eleitos por um sistema sério, e as comunidades de brasileiros no exterior, conjuntamente buscando por um canal soberano a construção democrática e saudável do próprio destino, com a assistência imprescindível do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
5. Não pensaram os Senhores que esse Conselho perderia o sentido no dia em que os brasileiros ganhassem o direito de escolher seus representantes para o Congresso Nacional? Qual foi a razão da pressa? O açodamento e a influência para que o ex-presidente atropelasse matéria sobre a qual o Parlamento deliberava?
6. Para não me alongar com colocações dissuasivas, que somente serviriam para desviar o enfoque de minha crítica democrática, tomo a liberdade de sucintamente ressaltar-lhe pontos contraditórios em sua defesa eloquente, porém insustentável, sobre o assentamento desse órgão de consulta, instituído com o velado propósito de estabelecer a influência “itamaratiana” na condução dos anseios das comunidades brasileiras no exterior. Em vez disso, deveria atender de forma ampla e justa às necessidades desses brasileiros, conforme disposto na Proposta de Emenda Constitucional nº 5 de 2005, apresentada pelo Senador Cristovam Buarque. A referida PEC foi bem anterior ao chamado feito por “lideranças” não representativas dos brasileiros no exterior, especialmente as de Portugal. Caberia a seguinte indagação: por que o MRE não instou tais “lideranças” a lutarem pela representação política em tramitação naquela Casa do Congresso Nacional, desde 2005, a qual permitiria às comunidades a representação na Câmara dos Deputados, com poder legislativo e, sobretudo, fiscalizador – obviamente, esse último imprescindível –, ainda que não fosse da simpatia daqueles que posam de donos da coisa pública, e não seus SERVENTUÁRIOS, e temem ser fiscalizados por autoridades eleitas pelas comunidades? Não seria mais sensato esperar o Congresso legislar, como é sua prerrogativa? São esses tipos de decisões tomadas “democraticamente”, segundo defende Vossa Excelência, com atropelamento do amplo debate que o tema requer?
7. Se realmente o MRE desejasse contribuir para melhorar a realidade de nossas comunidades no exterior, bastaria começar por ampliar as atuais diretrizes de atendimento, que estão com anos de defasagem, pois objetivavam atender a número infinitamente menor de brasileiros décadas atrás. Como esse número aumentou consideravelmente, o insignificante “apoio” oferecido só é satisfatório para os funcionários do serviço exterior, que, pelos polpudos salários e ajuda de custo que recebem, não passam por dificuldades que vão desde o traslado de corpos e humilhações que solapam impiedosamente aqueles que jamais são ouvidos, considerados ou contatados. A não ser, claro, para servirem de massa de manobra aos interesses burocráticos ou políticos, como veladamente objetiva o CRBE, sob o manto falso de uma causa legítima, como o atendimento aos que com suas suadas remessas injetam bilhões de dólares na economia do Brasil, aportando benefícios que o Estado brasileiro não oferece a seus cidadãos.
8. Vossa Excelência cita em sua mensagem que “O Governo nada gasta com a manutenção do Conselho”, e que “Seus integrantes atuam como voluntários”. Mas, pergunto-lhe: quanto gasto requer a sua Subsecretaria-Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior? Onde estão publicadas as despesas com organização de eventos, pagamento de funcionários dedicados ao apoio do CRBE, passagens e hospedagens, entre outros gastos diretos e indiretos? Vossa Excelência ainda tem a pretensão de maquiar essa realidade dizendo que não existem gastos para os cofres da Nação? Está seguro disso?
9. Quanto às irregularidades atribuídas aos conselheiros do CRBE, o MRE as desconhece? Solicitação de passagem em primeira classe, passaporte diplomático e inclusão de versículo bíblico em cartões de visita, entre outras demandas extravagantes e insultuosas aos brasileiros que dizem representar, além de terem sido escolhidos por voto via Internet, SEM AVAL DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, são as posturas sérias que contribuem, em seu entendimento, para os anseios das comunidades no exterior e justificam a existência da Subsecretaria que Vossa Excelência administra, bem como os objetivos para os quais o CRBE foi criado? A participação ínfima de votantes – apenas 19 mil, num universo de 3 milhões – outorga legitimidade ao processo de “representação”? Vossa Excelência há de convir que um fator preponderante dessa ausência foi a falta de credibilidade da silenciosa e majoritária parte da Diáspora, que não acredita na seriedade e nos bons propósitos do MRE. A ausência de órgãos de controle externo que permitam o exame dessa realidade de forma isenta e imparcial, com vistas ao aprimoramento desses serviços, bem como a correção de distorções existentes, soma-se às centenas de denúncias feitas por nossos concidadãos, muitas delas publicadas amplamente na mídia ao longo de décadas, sem que haja eco ou investigação adequada.
10. Como cidadão brasileiro, não precisei do MRE nem do CRBE para sugerir e ver transformadas em Projeto de Lei três propostas que bem poderiam justificar a extinção do CRBE e da sua importante SGEB. Saberia dizer Vossa Excelência quanto custou ao erário sua elaboração? NADA. Sabe quanto me custou? Apenas um pouco de consciência cívica e desprendimento. Eis as propostas a que me reporto, e na justificativa pode-se ver a referência ao nome deste brasileiro:
a) PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 436, DE 2009 (do Deputado Manoel Junior e outros) – Acrescenta o § 3º ao art. 45 da Constituição Federal para conceder aos brasileiros residentes no exterior o direito de eleger seus representantes à Câmara dos Deputados.
A título de esclarecimento, conforme deve ser do conhecimento de Vossa Excelência, a PEC do Senador Buarque dispõe sobre um sistema majoritário. Já a PEC 436/09, acolhida pelo deputado Manoel Junior, propõe a instituição de circunscrições eleitorais extraordinárias para eleição, por brasileiros residentes no exterior, de representantes à Câmara dos Deputados pelo sistema proporcional;
b) PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 559, DE 2010 (do Deputado Manoel Junior) – Dispõe sobre a criação de contribuição social sobre as remessas de dinheiro de pessoas físicas residentes no exterior para pessoas físicas ou jurídicas residentes, ou com sede e/ou filial no Brasil, a fim de prover recursos para atendimento de brasileiros em situações emergenciais no exterior;
c) ESTUDO LEGISLATIVO solicitado pelo Exmº Senador Álvaro Dias, líder do PSDB (13/05/2011) – “Sugere a elaboração de legislação apropriada, tornando obrigatória a distribuição de FORMULÁRIO em todas as repartições diplomáticas e consulares, a fim de que os brasileiros residentes no exterior, se desejarem, possam, abrigados na confidencialidade da informação, registrar sua satisfação, ou insatisfação, com o atendimento consular, bem como oferecer denúncias, fazer sugestões, tecer comentários sobre nossos serviços diplomáticos. O formulário deverá ser oferecido de forma gratuita e obrigatória a cada atendimento realizado pelos funcionários das repartições diplomáticas e consulares e, em seu bojo, deverá constar o nome do funcionário que prestou o atendimento, o endereço físico e o e-mail das ouvidorias da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Ministério Público Federal.”.
11. Sobre essa última proposta, cabe ressaltar o que o insigne Montesquieu observou com muito acerto: “[…] é uma experiência eterna que todo homem que detém o poder é levado a dele abusar: e vai até onde encontra limites.”. Ora, é o Princípio da Legalidade a expressão do Estado de Direito; é a lei que assegura a liberdade aos indivíduos, à sociedade, para que não se tornem reféns das vontades particulares, dos caprichos, das idiossincrasias ou da desídia de funcionários públicos que se julgam os DONOS DO PODER, quando de fato e de direito são servidores. O PODER é do POVO e só dele emana, como determina a Constituição.
12. Assim como há casos de atendimento altamente qualificado e meritório – essa deveria ser a regra, mas é exceção –, também existem denúncias graves que não são devidamente averiguadas, o que incentiva as práticas irregulares diante da impunidade e dificulta o bom exercício do serviço público no âmbito dos nossos consulados.
13. No amplo leque de exemplos possíveis, podemos citar o tratamento desdenhoso dispensado a cidadãos humildes, muitas vezes atendidos dentro do Consulado brasileiro com esnobação boçal de funcionários que se dirigem a eles no idioma local e não em português, apesar do perfil racial genuinamente brasileiro. Ao se depararem com dificuldades no preenchimento de formulários, esses cidadãos são constrangidos pela prepotência de servidores que mal servem, que são mal treinados, mal-educados e arrogantes. Indivíduos que se julgam semideuses por não correrem o risco de perder o emprego, nada obstante sua ineficiência, alheios a seus deveres de bem servir, como a própria expressão SERVIDOR PÚBLICO sugere.
14. A implantação da medida proposta, que não gera custos adicionais, tem longo alcance social, político e administrativo, servindo para corrigir distorções já reveladas e, também, as latentes no atendimento consular. Ao criar um canal direto de comunicação entre o Poder Legislativo, o Ministério Público e os Cidadãos, supre essa demanda urgente de adequação do atendimento oferecido à população brasileira no exterior. Ademais, seria importantíssima para a elaboração de políticas de melhoria do setor consular, sem depender do crivo parcimonioso, e muitas vezes negligente, de embaixadores e do próprio órgão de Ouvidoria, criado recentemente pelo MRE.
15. Além de não duvidar que a medida, se adotada, nos aproxima dos poderes de nossa República, estou certo de que servirá também de valiosa contribuição de caráter permanente para desestimular eventuais abusos, como desídia, negligência e ineficiência, e até mesmo práticas que incursionam pelo campo da delinquência, a julgar pelo que se ouve.
16. Não existe, Excelência, eficácia no funcionamento do Sistema Consular Integrado (SCI) em benefício dos brasileiros no exterior. O bom senso e o equilíbrio são indispensáveis em qualquer situação no mundo real. Não se pode deixar que aves indefesas fiquem sob a guarda de raposas. Fiscalização é um instrumento democrático indispensável quando se trata da coisa pública. Vale até lembrar a figura de Lênin, quando assim lecionou: “A confiança é boa, a fiscalização é melhor”. Sem fiscalização, as almas despojadas de sentimentos elevados, de sentido do cumprimento do dever, e aquelas para quem os fins justificam os meios tendem a extrapolar os limites do legal e do razoável, especialmente se contarem com impunidade adrede.
17. As cabeças pensantes de nossa honrada Diplomacia hão de convir que essa medida, uma vez implementada, será valiosa não só para o aprimoramento do sistema de atendimento consular, mas, também, para ajudar o Poder Legislativo e o Ministério Público a fiscalizarem órgãos do Poder Executivo, conforme preconiza nossa Constituição Federal.
18. Move-me, por fim, a presunção de que, se Vossa Excelência refletir com o espírito aberto sobre os pontos que aqui defende, se ponderar com a mesma lucidez com que adotou e defendeu como própria a criação do CRBE, sem dúvida entenderá o alcance das propostas que apoio. Poderá compreender, outrossim, os possíveis desdobramentos que poderão advir de sua implementação para o alcance de objetivos comuns do Estado e da sociedade, em particular o fomento positivo das relações Governo-Diáspora com custos infinitamente menores e benefícios condizentes com a realidade do Brasil-potência, cujo status passa, necessariamente, pela valorização da nacionalidade e pelo atendimento compatível com os nossos nacionais em todos os recantos do planeta em que estejam estabelecidos.
19. Agradeço-lhe a atenção, mesmo descrente da sensibilização do MRE a esse clamor – que não é solitário – pela consecução do direito legítimo da representação política para a Diáspora.
Respeitosamente,
Samuel Saraiva
Email: us3000@gmail.com